segunda-feira, junho 21, 2010

A Mulher e seu dinheiro

Por Ana Lucília Rodrigues
* retirado do site: http://www.psicologianocotidiano.com.br/

A atividade profissional feminina adquiriu o direito à cidadania. É agora um valor e uma aspiração legítima. A condição pós-moderna se recusa a uma identidade constituída exclusivamente pelas funções de mãe e esposa.
Segundo o sociólogo Gilles Lipovetsky, está nova mulher concretiza uma ruptura histórica na identidade feminina, bem como nas relações entre os sexos. Esse novo modelo histórico é nomeado de a "terceira mulher". A "primeira mulher" corresponderia a Eva da tradição judaico-cristã, ser nefasto e diabólico, agente da infelicidade do homem. A "segunda mulher" é posta em cena a partir da Idade Média, é uma espécie de anjo idealizado por sua beleza e qualidades "passivas", é glorificada em verso e prosa pelos homens, ela está longe de conquistar sua autonomia individual diante do macho dominador.
A aparição da "terceira mulher" é resultado da revolução feminina dos anos 60, a partir disto, surge um novo modelo de subjetivação, com novas definições e significações no imaginário-social. Agora é a vez da mulher que comanda seu destino, deixou de ser uma invenção do homem para se instituir como uma invenção de si mesma, neste sentido, é indeterminada, necessitando ser reinventada a todo instante.
Mas séculos e séculos de opressão feminina, não podem ser solucionados num abrir e fechar de olhos, isso é demonstrado pelo discurso feminino que surge na prática clínica ou no cotidiano de muitas mulheres, que ainda flertam com alguns fantasmas de suas antecessoras, tais como o da "prostituição" que as remete a culpa e a vergonha, ou da "mãe má", ou ainda o da transgressão de sua feminilidade etc.
Alguns destes fantasmas foram reeditados quando as mulheres começaram a ter acesso ao seu dinheiro, eclipsando a constituição subjetiva da "terceira mulher", que às vezes desempenha muito bem seu profissional, mas sua remuneração fica a desejar. Será que podemos culpabilizar só o campo do social por tal discriminação? Por que as mulheres estabelecem uma relação com o dinheiro diferente da do homem? Podemos realmente considerar a independência econômica feminina como uma carta de alforria para a sua autonomia?
Primeiramente podemos dizer que nem sempre a independência econômica é sinal de autonomia, e isto vale para homens e mulheres, estas estariam envoltas por uma série de situações que demonstram tal afirmação. Temos as mulheres que renegam sua independência desperdiçando seu dinheiro com maus negócios, compras desnecessárias, ou aquelas que revertem seus ganhos para a casa (marido, filhos) e assim elas vão arrumando saídas para não reverterem o dinheiro de seu trabalho para si mesmo, quando isto não acontece sentem-se culpadas.
Quando a mulher não trabalha, obtém dinheiro para suas coisas submetendo-se por vezes a uma tarefa árdua e angustiante, ou pede ao marido, situação que geralmente não é agradável ou extrai o dinheiro mediante múltiplos artifícios. Existem também aquelas que nunca alcançam o que querem, escutando de seus maridos que o dinheiro nunca é suficiente, estas mulheres são o reflexo de uma posição vingativa por não conseguirem e não saberem reverter sua dependência em independência.
Em outras palavras o dinheiro feminino é o "pouco" dinheiro, é aquele de todos os dias, do consumo cotidiano que mantém a estrutura familiar, que as mantém na dependência. Já o dinheiro "grande", é o que sustenta o poder, representa a permissão para um espaço próprio do reconhecimento dos desejos e necessidades individuais.É o dinheiro que quase sempre o homem dispõe e que as mulheres carecem dele.
O dinheiro é um tema tabu que fica alojado num silêncio nada ingênuo e inócuo, dificultando ainda mais as mulheres ascederem ao direito de possuí-lo livre de culpas ao administrá-lo ou tomar decisões segundo seus próprios desejos.
"O pouco" dinheiro também surgiu em situações nas quais a mulher tem de estipular, receber ou reclamar os honorários profissionais. É aqui onde podemos observar claramente que o âmbito público traz ao universo feminino conflitos que muitas vezes expresso por sintomas que dificultam ainda mais a relação das mulheres com o dinheiro.
Segundo a citação Clara Coria dos Centros de Estudos da Mulher de Bueno Aires: "Os honorários profissionais circulam fundamentalmente no âmbito publico, são a evidencia de um mecanismo pelo qual se recebe dinheiro em troca de seus serviços... atividade está exercida pelos homens, com exceção da profissão mais velha do mundo "a prostituição". Esta tradição ancestral, que quase pode ser considerada a pré-história do trabalho feminino, está presente de maneira inconsciente quando as mulheres recebem dinheiro em troca de serviço. Esta identificação em menores ou maiores proporções articulada com a história individual de cada mulher podem gerar sintomas em relação ao dinheiro.
Na contra mão, da "prostituição" a cobrança de honorários por parte das mulheres coloca também em evidencia um lugar nem um pouco altruísta e desinteressado. Em outras palavras é o oposto das atividades maternais, aquelas que ostentam o protótipo de "serviços que não tem preço". Colocar um preço e cobrar, portanto, é vivido inconscientemente como uma transgressão das expectativas esperada de seu papel de mulher.
Outro fantasma que persegue e atormenta as mulheres que ascedem ao dinheiro é o do temor de perder sua feminilidade e conseqüentemente de perder o amor de seu homem o que gera para algumas mulheres uma devastação da sua identidade.
O grande perigo e verem a atuação destes fantasmas como "natural" do ser mulher e não reconhecer que eles constituem "dificuldades" que prejudicam e entorpecem a constituição de sua subjetividade.
Em síntese, por motivos distintos o "dinheiro" que é recebido ou cobrado na mão de uma mulher toma a consistência de uma "batata quente" em suas mãos, ao passo que para os homens é um indicador de "virilidade". Do lado das mulheres as "angústias" do lado dos homens "os prazeres".

É importante ressaltar que a independência econômica citada se refere à disponibilidade de recursos econômicos próprios, enquanto a autonomia é a possibilidade de usar seus recursos, podendo tomar decisões com critérios próprios e fazer escolhas pessoais.

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